Cai a noite, caem os poetas, caem os anjos

Cai a noite. Efêmera e visceral noite de xenon colorindo os olhos, o chão e o céu. Halogênio cegante de máquinas incandescentes e sônicas que rasgam o asfalto, ensandecidas. Cai a noite e com ela caem também os homens que nela enlouquecem.

E dentre todos os homens caem (especialmente) também os poetas. Ensurdecidos e entorpecidos do mais ácido Jazz, esparramados por mesinhas de canto e acobertados por fracas espalhafatosas luzes de neon alucinógeno, caem navegantes afogados no implícito e insípido negro em que ela, a noite, inevitavelmente culmina.

Nicotina perfurante excessiva, evidenciando-se. Álcool infectante, onipresente. Encorajador universal.

Caem os anjos.

Insinuantes, inusitados e desvairados, passeando pela escuridão de uma longa e fria madrugada. Sem rumo, sem perspectiva. Sozinhos. Exemplificando a margem de uma sociedade de perversões e hipocrisias fúteis.

O sentido - solitário - dispersa-se, envolto a frágeis possibilidades, mesmo quando a própria realidade destoa, soa irreal. Pessoas, como quaisquer outras, com seus desejos incertos e incompreendidos.

Definitivamente intrigantes anjos que caem e por lá permanecem, acorrentados. Por uma eternidade poderia vagar em vão, mas a improbabilidade se faz presente e entrelaça e eletriza nervos enrustidos e acelera as veias e inutiliza o ar.

Cai o pano. Olhos brilham.

Insensatez. Humor irônico sórdido e o balanceamento cuidadoso de palavras perspicazes.

"Veem-se... Vislumbram-se.
Beijam-se... Possuem-se."


Sete mil dias e uma vida particularmente ainda vive, abraçando a vulgaridade.

user darkside   date 10:49 AM. permalink Permalink

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Se a manhã está fria

Se a manhã está particularmente fria, aproxima-te do sol.

Se cantas, cantas com a alma, que também canta.

Se te faltas e te cansas e te engasgas, tratas de tossir logo a tosse louca e vives tua suposta não-vida.

Se queres te jogar e te acabar em vida, faz-te e faz-te de uma vez.

De outra maneira, enxuga a lágrima seca e anda, anjo.

Mas faz-te, faz-te, desafogas da impertinência que por tanto persiste!

Todos o fazemos, anjo. Todos.

user darkside   date 5:19 PM. permalink Permalink

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Sorrateiro retorno à casa

Estranho retornar de agora já velhas e ultrapassadas coisas. O ponto de vista, vivo, grita. As supostas escolhas ora tardias, ora precipitadas, aparecem como sutis consequências.

Seus olhos brilham e não é pelo luar. O frio e a chuva percorrem as costas de um corpo semi-adormecido. Ela fala e todas as palavras fazem sentido, menos as minhas. Ela fala e os sinos da sabedoria batem seus gongos atordoantes e as palavras gurgitam, fazem um tremendo sentido. Ela fala.

Ombros pesados adormecem etilizados. Tudo é bonito e engraçado sobre olhos desvairados.

Retornar às antigas coisas, aos velhos costumes?

Eles vêm e vão todos os dias, os dois, e a indiferença é uma bênção. Aplausos.

A rotina consome a si mesmo como uma cobra que morde o próprio rabo.

E que olhos lindos estes que brilham. Que mãos suaves estas que puxam o maltrapilho poeta. E que palavras doces e verdadeiras estas que perfuram com suas verdades agonizantes e sangrentas.

Algo se perdeu. Algo se perdeu.

Alguém se perdeu.

Leve e distante, sóbrio e insensato, atraente e maltrapilho, sábio e desvairado.

Poeta.

Afoga-te e joga-te em um canto escuro e te deixa.

Tropeça cambaleante na tua vida sem rumo.

Afoga-te e dorme e acorda e dorme e acorda.

Trapaceiro de meias-verdades. Afoga-te.

user darkside   date 12:09 PM. permalink Permalink

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Trivialidade obscena

Uma noite em particular, um rosto familiar. Sentado de qualquer maneira no decididamente pequeno box, a água quente e reconfortante cai por tempo indefinido, lavando uma alma maltrapilha e cansada.

Água morna. Afogados esvaem-se pelo ralo fragmentos de memória, perdendo-se no mais sutil dos vãos, encontrando lugar para pedaços novos de enfim, vida.

Trivialidade obscena. Estupro social.

Uma agradável e particularmente filosófica conversa sobre a água morna e uma coleção não tão agradável de pequenos traumas, já impregnados caracteristicamente em suas próprias personalidades. Todos os dias anteriores vão aos poucos dissipando-se no vento, salvo pelas pequenas manchas que mesmo com o protetor solar, permanecem.

E mesmo quando aparentemente nada surpreende, algo certamente o faz.

user darkside   date 9:53 AM. permalink Permalink

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sobre o blacksun

Conheça o lado menos afável dos poetas da nova era.

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  • Leonardo Moraes Bighetti
  • Leandro Moraes Bighetti
  • Ricardo Cicarelli