Desnecessidade
Inundado por essa chuva torrencial de berros e recessos, de mentes e mentiras e mistérios desmistificados que já não possuem mais o mesmo apelo.
Inundado com toda essa propaganda barata, suposta rebeldia que se cala com o quieto zunido que sopra no ouvido e uma bela careta e o vendaval que passa, ah, como passa.
Inundado de todos os berros e recessos de todos os outros que se prendem e se agarram e gritam e choram suas existências infindáveis e por fim se calam pois já são sete horas e é hora de ir trabalhar.
E Deus no enésimo dia disse - e sete horas da manhã fará-se a luz, e todos os homens engolirão suas identidades e lágrimas e irão trabalhar.
Também dizem que Ele completou a frase com uma piadinha sem graça sobre o transporte público, mas por conta de três erros consecutivos de tradução, acabou sendo entendido como amai-vos uns aos outros, um engano terrível.
Porém, a questão é.
A questão crucial é, sem dúvida, a desnecessidade (palavra que muito provavelmente utilizei de todas as licenças poéticas do mundo para inventar, fazendo até Machado de Assis revirar-se no caixão com uma cólica daquelas) que se forma quando é levado em consideração o determinismo iminente de todas as coisas. Dois conceitos academicamente comprovados de estarem intimamente ligados.
Começando por começarem com a letra "D".
E provavelmente indo um pouco mais além.
Tecnicamente, a definição per se dos dois conceitos é:
- adj., que não é necessário;
- supérfluo;
-
- dispensável.
de determinar
- s. m., conjunto de condições necessárias à determinação de um dado fenómeno;
- Filos., doutrina segundo a qual todos e cada um dos acontecimentos do universo estão submetidos às leis naturais, de tal forma que cada fenómeno está completamente condicionado pelos que o precedem e acompanham, condicionando com o mesmo rigor os que lhe sucedem;
-
- doutrina que implica que todas as determinações humanas estão sujeitas à acção providencial, negando o livre arbítrio.
Munido do conhecimento substancial desta informação, mais uma vez, a questão é.
A questão é que com o advento do emprego, consequência direta da invenção do salário, o sentimento tornou-se obsoleto, ultrapassado, por conta de uma incrível fantástica reação em cadeia mais rápida que spam do conceito de ninguém se importa, porque ninguém se importa e eu não sei mais, ou mais precisamente, da crise de identidade.
Porém, infelizmente é necessário citar que mesmo a crise de identidade já é considerada ultrapassada, além de o ruído formado por grupos de crises de identidade ser prejudicial à saúde, podendo causar síndrome do pânico, úlcera, câncer, depressão e a morte.
E tudo isso torna-se demasiadamente desnecessário, pois todos os fenômenos estão previamente condicionados pelas famigeradas variáveis praticamente infinitas, tecnicamente negando o tal lívre-arbítrio.
E muito provavelmente, toda essa história é uma grande mentira.
Por Leonardo Bighetti
3 Comentários:
Parece desnecessário viver desse jeito.
Mesmo assim, aqui estamos. Perdidos. Sem rumo. Sem escolhas.
Não creio em determinismo.
Creio no livre arbítrio.
E, principalmente, crendo em mim mesmo, creio no poder que eu tenho para mudar o que não gosto na minha vida. Basta ter atitude.