Desnecessidade

Inundado por essa chuva torrencial de berros e recessos, de mentes e mentiras e mistérios desmistificados que já não possuem mais o mesmo apelo.

Inundado com toda essa propaganda barata, suposta rebeldia que se cala com o quieto zunido que sopra no ouvido e uma bela careta e o vendaval que passa, ah, como passa.

Inundado de todos os berros e recessos de todos os outros que se prendem e se agarram e gritam e choram suas existências infindáveis e por fim se calam pois já são sete horas e é hora de ir trabalhar.

E Deus no enésimo dia disse - e sete horas da manhã fará-se a luz, e todos os homens engolirão suas identidades e lágrimas e irão trabalhar.

Também dizem que Ele completou a frase com uma piadinha sem graça sobre o transporte público, mas por conta de três erros consecutivos de tradução, acabou sendo entendido como amai-vos uns aos outros, um engano terrível.

Porém, a questão é.

A questão crucial é, sem dúvida, a desnecessidade (palavra que muito provavelmente utilizei de todas as licenças poéticas do mundo para inventar, fazendo até Machado de Assis revirar-se no caixão com uma cólica daquelas) que se forma quando é levado em consideração o determinismo iminente de todas as coisas. Dois conceitos academicamente comprovados de estarem intimamente ligados.

Começando por começarem com a letra "D".

E provavelmente indo um pouco mais além.

Tecnicamente, a definição per se dos dois conceitos é:

desnecessário
  1. adj., que não é necessário;
  2. supérfluo;
  3. dispensável.
determinismo

de determinar
  1. s. m., conjunto de condições necessárias à determinação de um dado fenómeno;
  2. Filos., doutrina segundo a qual todos e cada um dos acontecimentos do universo estão submetidos às leis naturais, de tal forma que cada fenómeno está completamente condicionado pelos que o precedem e acompanham, condicionando com o mesmo rigor os que lhe sucedem;
  3. doutrina que implica que todas as determinações humanas estão sujeitas à acção providencial, negando o livre arbítrio.
Anos de pesquisa levaram a crer que uma das definições mais práticas e funcionais da teoria é o ditado que diz - "não adianta chorar pelo leite derramado" (apesar de os bebês provarem sempre o contrário, eles não sabem ler ou escrever, senão sabe Deus que tipo de teoria eles escreveriam).

Munido do conhecimento substancial desta informação, mais uma vez, a questão é.

A questão é que com o advento do emprego, consequência direta da invenção do salário, o sentimento tornou-se obsoleto, ultrapassado, por conta de uma incrível fantástica reação em cadeia mais rápida que spam do conceito de ninguém se importa, porque ninguém se importa e eu não sei mais, ou mais precisamente, da crise de identidade.

Porém, infelizmente é necessário citar que mesmo a crise de identidade já é considerada ultrapassada, além de o ruído formado por grupos de crises de identidade ser prejudicial à saúde, podendo causar síndrome do pânico, úlcera, câncer, depressão e a morte.

E tudo isso torna-se demasiadamente desnecessário, pois todos os fenômenos estão previamente condicionados pelas famigeradas variáveis praticamente infinitas, tecnicamente negando o tal lívre-arbítrio.

E muito provavelmente, toda essa história é uma grande mentira.

Por Leonardo Bighetti

user darkside   date 12:54 AM. permalink Permalink

3 Comentários:

  • Parece desnecessário viver desse jeito.

    user Anonymous Anônimo date 5:00 PM permalink Permalink  

  • Mesmo assim, aqui estamos. Perdidos. Sem rumo. Sem escolhas.

    user Blogger darkside date 5:16 PM permalink Permalink  

  • Não creio em determinismo.
    Creio no livre arbítrio.
    E, principalmente, crendo em mim mesmo, creio no poder que eu tenho para mudar o que não gosto na minha vida. Basta ter atitude.

    user Anonymous Anônimo date 3:40 PM permalink Permalink  

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