Intransitivo
Diga um alô prazeiroso e sincero para este misterioso e bravo novo ano, cheio das velhas novidades e mesmices, onde nada de fato muda, mas é reciclado e vendido como algo inteiramente novo.
Acomode-se como pode dentro deste vagão abarrotado da locomotiva que nos leva daqui até supostamente o infinito tempo que transcorre entre onde você está agora e onde gostaria de estar, fazendo um barulhinho irritante - "tchu-tchuc, tchu-tchuc" - até que a próxima estação chegue ou nossa tão concorrida atenção volte-se para outra das milhares de formas de nos arrancarem o resto de nosso dinheiro e ainda nos fazerem sorrir satisfeitos com isso, com a ilusão de se ter feito um bom negócio.
Balance a cabeça afirmativamente a uma sociedade completamente egoísta e conveniente.
Saboreie de braços abertos um ano inteiramente novo, onde o mundo iluminado em neon explode em vida, transborda a felicidade aparente e unilateral e Deus fala conosco.
Bata os pés dançando a valsa da vida, acenando aos cidadões passantes, em referência pouco menos que óbvia - "a qualidade da canção é inversamente proporcional a sua capacidade de não sair da cabeça".
Munido da mais completa ausência de surpresa, sorria.
Você já sabia.
Esteve lá o tempo todo.
Você já sabia.
Morda os lábios, feche os olhos e sinta o vento soprar. Mergulhe de cabeça neste caldeirão de almas penadas que se sacodem em meio a fagulhas e arame farpado. Engula todas as ilusões e mitos sem mastigar.
E no amontoado da indiferença que se forma, perca-se em seus pensamentos e vague. Vague peregrino por estas terras que te comem vivo. Voe como um passarinho.
Permita-se um breve momento de indignação, um pouco menos do que o suficiente para mudar o mundo.
Em transe, sinta o momento intransitivo passar, e apenas isso.
Respire.
Munido da mais completa ausência de ignorância, sorria.
Você já sabia.
As leis de Newton, corrigidas brilhantemente por Einstein, colam a planta de seus pés na superfície do planeta.
E então você finalmente se livra do absurdo e da sujeira durante anos acumulada no cérebro. Aos poucos, os milhares de gestos - antes instintivos - passam a ser um esforço consciente e não existe mais moralidade. Você passa a ser um mero expectador, analisando um padrão de comportamento imbecil, em meio a todo o subjetivo caos da causalidade.
Você observa o micro e o macrocosmos, sem se dar conta de que é impossível distinguir o experimento do observador. Você observa alterando os padrões, tornando a própria observação impossível. Irrefutável. Irreversível. Você é o que você se tornou, no meio da decorrencia das malditas infinitas variáveis.
E tudo o que interessa e somente o que interessa é o Homem. Nós não buscamos outros mundos, somente espelhos. Nós não sabemos o que fazer com outros mundos.
E Deus está morto, nós matamos Deus, em nossa infinita decadência e completa e corriqueira ausência de motivos.
Porém, na mesma situação encontra-se Nietzsche.
De qualquer forma, abriu-se alguma porta.
De qualquer forma, a veemente aparente ignorância tornou-se um pouco menos dúbia.
De qualquer forma, toda teoria é passível de falhas e você as caça e as devora.
De qualquer forma, você sorri o seu sorriso sarcástico e ele desarma as pessoas.
Você já sabia.
5 Comentários:
É só pra começar o ano bem.
E, lógico, com muita esperança!
Adorei.
Lindo.
Poste mais.
Beijos Léo.
Anônimo 10:39 PM Permalink
oh... foi um prazer desenvolver este comentário com vc.
i'll Post it....soon.
kiss baby
keep breathing.
Anônimo 11:48 PM Permalink
http://esfingeproject.blogspot.com/2006/01/o-dilogo-entre-razo-entorpecida-e-emoo.html
Anônimo 1:03 AM Permalink
"Você é o que você se tornou, no meio da decorrência das malditas infinitas variáveis."
MALDITAS INFINITAS VARIÁVEIS.
Felizmente pra uns, infelizmente pra outros...
Saudades de ler verdades como estas !
Anônimo 11:42 AM Permalink
Texto muito bom!
Parabéns!
Incrível como suas palavras encaixam-se e nos sugam, nos compreendem!
Parabéns novamente, vc escreve muito bem, Leonardo!
Beijos!
siLence. 8:58 PM Permalink
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