Sobre o caminho conhecido

Despedidas. Há algo de tentadoramente ameaçador em despedidas. Em um momento se está ali, apenas para no momento seguinte, tudo ter-se ido no mais esdrúxulo e caótico dos vãos. Como se fosse o último suspiro, a última ameaça, uma última esperança, o último grito de apelo - "olhe, eu estou indo, você está vendo?".

Ah, despedidas. Sim, sou um colecionador destes fúteis e incrédulos momentos idiosincromáticos, por diversas e diversas vezes trilhados, todos eles gravados pelos olhos polaróides de uma memória fotográfica instantânea.

Há algo de curiosamente irônico em despedidas. Pois quem se vai não se despede, se vai, simplesmente. Esvai-se sem se notar.

Despedidas. O que é um momento a mais, quando o um momento já não mais existe? Em todas as minhas próprias irreparáveis e extremamente insensatas tentativas de fazer a alguma coisa (que não existia) dar certo, por meio de, entre outras coisas (e provavelmente no fim de todas), despedidas, tudo o que alcancei foi a) momentos polaróides anteriormente citados e b) a prorrogação do inevitável.

Porque os malditos cães famintos já não latem o teu anseio. Irá.

E a bucólica vida eterna e aparentemente sem sentido para estes velhos novos tempos, no canto dos olhos, sorri. Sorri não como se sorri para um amante ou como se sorri para uma piada bem contada, mas como se sorri para o seu cachorro quando ele finalmente devolve a maldita bolinha que você estava até então sem sucesso atirando há uma semana.

Porque, na maioria das vezes, as coisas não fazem lá muita questão de fazer o algum sentido enigmático que todos nós estamos esperando desde que Elvis deixou o prédio.

Por Leonardo Bighetti

user darkside   date 6:19 PM. permalink Permalink

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Um soneto ao Arco-Íris

Arco-Íris

Como sangue, escarlate1 que escorre.
Primeiro é este que no céu aparece.
Então já surge o alaranjado e escorre,
E vem assim logo o amarelo e cresce.
Sobre até o tal verde que floresce
E o turquesa imenso que não morre.
Faz assim ultima e primeira prece
O violeta, após o anil que corre.

E o reluzente incolor difama2:
"Comigo trago todas sete estrelas”
- Aos olhos nossos e alheios clama.

Implexo3 isocromático4 itinera5
Compele6 as cores para sempre tê-las:
Verão, outono, inverno, primavera.


1: Vermelho
2: Difamar: caluniar; injuriar; desacreditar
3: Complicado
4: De mesma cor
5: Itinerar: viajar
6: Compelir: obrigar; forçar

user Leandro Bighetti   date 2:11 AM. permalink Permalink

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Por trás dos olhos

Sozinho e confortável em um mundo não tão diferente do que está acostumado a viver.

Olhos abertos, cerrados e cegos, ouvidos surdos. Ela fala, seus lábios se movem mas o som das palavras que sai de sua boca não chega até os ouvidos. O telefone toca insistentemente e em vão.

Durante as quatrocentas e vinte voltas no ponteiro das horas, em algum lugar, uma vida mudou. Adaptou-se com a vivência de quem, afinal, vive. Encaixou-se não como se encaixa um bloco de Lego, mas como se entra em um trem lotado em Mauá, em uma sexta-feira chuvosa e cinzenta, mais ou menos cinco minutos antes ou depois do pior horário possível para se entrar em um trem lotado em Mauá.

Sozinho e não particularmente muito confortável ou entusiasmado, porém agora apto a conceber da forma humorística já caracterizada a sequência um tanto quanto irônica de tantos eventos um tanto quanto inevitáveis.

Em uma tarde cinzenta e vazia, onde deveria chover mas não chove, por razões que fogem à compreensão cinematográfica inerente de todos os seres.

user darkside   date 3:51 PM. permalink Permalink

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Conheça o lado menos afável dos poetas da nova era.

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